8.12.09

Caso Nardoni e o direito de não auto-incriminação

Luiz Flávio Gomes - 08/12/2009

Da autodefesa, que integra a ampla defesa, também faz parte o privilégio ou princípio da não auto-incriminação (nemo tenetur se detegere), que compreende: (1) o direito ao silêncio, (2) o direito de não declarar contra si mesmo, (3) o direito de não confessar, (4) o direito de declarar o inverídico, sem prejudicar terceiros, (5) o direito de não praticar nenhum comportamento ativo que lhe comprometa ou que lhe prejudique no âmbito probatório e (6) o direito de não produzir nenhuma prova que envolva o seu corpo.

Como se vê, o acusado tem todo direito de não falar nada (direito ao silêncio); se falar, conta com o direito de nada dizer contra si mesmo; mesmo dizendo algo contra si, tem o direito de não confessar. A confissão, por sinal, só constitui prova válida quando for espontânea.

“O Estado —que não tem o direito de tratar suspeitos, indiciados ou réus como se culpados fossem (RTJ 176/805-806)— também não pode constrangê-los a produzir provas contra si próprios (RTJ 141/512)” (cf. STF, HC 96.219-MC-SP, rel. Min. Celso de Mello).

Do direito de não auto-incriminação faz parte, como se vê, o direito de não praticar nenhum comportamento ativo que lhe comprometa ou que lhe prejudique no âmbito probatório. Exemplo: direito de não participar da reconstituição do crime —reprodução simulada do delito—, direito de não ceder material gráfico para exame grafotécnico (STF, rel. Ilmar Galvão, Informativo STF 122, p.1) etc.

Com base no Pacto de San José e na Constituição os Ministros da 2ª Turma do Supremo concederam o Habeas Corpus 83.096 em favor de um acusado que não queria ser submetido a teste de perícia de voz. Ele foi denunciado pela prática de associação para o tráfico de drogas, após escuta telefônica. A defesa alegou ofensa ao artigo 8º, inciso II, alínea “g”, do Pacto San José, segundo o qual ninguém será obrigado a depor, fazer prova contra si mesmo ou se auto-incriminar. Ao julgar o caso, a Turma acompanhou o voto da relatora da matéria, Ministra Ellen Gracie, para assegurar ao paciente o exercício do direito ao silêncio (sic), ou seja, direito de não auto-incriminação.

Nos atos que não exigem um comportamento ativo do agente, sua presença (seu comparecimento) é obrigatória (o). Exemplo: reconhecimento pessoal.

No famoso Caso Nardoni —os pais são acusados de terem matado a filha Isabela— foi discutida pelo STJ a amplitude do direito de não auto-incriminação (STJ, Quinta Turma, HC 137206, rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. 01.12.09). A 5ª Turma rejeitou, por unanimidade, habeas corpus impetrado pela defesa em favor de Alexandre Nardoni e Anna Carolina Jatobá. Na ordem de habeas corpus impetrada a defesa pedia o trancamento da ação penal no que diz respeito ao delito de fraude processual, que também foi imputado ao casal. De acordo com a acusação, teria o casal limpado o local do crime logo após a morte da vítima.

O delito de fraude processual está previsto no artigo 347 do CP, nestes termos: “Inovar artificiosamente, na pendência de processo civil ou administrativo, o estado de lugar, de coisa ou de pessoa, com o fim de induzir a erro o juiz ou o perigo: Pena —detenção, de 3 (três) meses a 2 (dois) anos, e multa. Parágrafo único. Se a inovação se destina a produzir efeito em processo penal, ainda que não iniciado, as penas aplicam-se em dobro”.

O pedido de habeas corpus, pelo que se noticiou, tinha como fundamento a Constituição Federal, que asseguraria que ninguém é obrigado a produzir provas contra si mesmo. O casal não poderia ter sido acusado também de ter inovado o local do delito. “Eles não poderiam ser algozes de si próprios, no sentido de tentar deixar provas que os auto-acusassem”, ponderou o apelo da defesa no habeas corpus.

Para o relator do habeas corpus no STJ, Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, o direito constitucional que garante à pessoa não se auto-incriminar “não abrange a possibilidade de os acusados alterarem a cena do crime, levando peritos e policiais a cometerem erro de avaliação”.

Uma coisa, portanto, é o direito de não praticar nenhum ato que comprometa ou que prejudique o acusado. Outra bem distinta é inovar (alterar) o local dos fatos para, eventualmente, não ser incriminado. O que o princípio da não auto-incriminação protege é uma atividade negativa —ninguém é obrigado a fazer prova contra si mesmo. O que se pediu no habeas corpus foi a desconsideração de um ato positivo —inovação do local. Uma coisa é o direito de não ceder sangue para o efeito de sua própria incriminação. Outra bem distinta consiste em limpar o sangue que já faz parte do corpo de delito —vestígios que se encontram no local do delito—, com o intuito de induzir em erro o juiz ou o perito. A distinção é importante, porque uma coisa é o direito de se não auto-incriminar, outra diferente é o não-direito de alterar as provas do delito.

Andou bem a 5ª Turma do STJ em se enveredar pela seara dessas distinções. O Direito de não auto-incriminação continua sendo construído diariamente pela jurisprudência). Com a decisão ora comentada um ponto mais ficou elucidado. Com acerto, na nossa opinião.

http://ultimainstancia.uol.com.br/colunas_ver.php?idConteudo=63549

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