18.7.10

“Queria devolver Isabella para a mãe”


O promotor de Justiça do 2º Tribunal do Júri de São Paulo, Francisco Cembranelli, 47, ganhou notoriedade com o caso Isabella Nardoni e hoje por onde passa é reconhecido pelos brasileiros, que demonstram intensa simpatia pelo profissional. Em Goiânia, a situação não é diferente. Cembranelli esteve ontem pela manhã na sede do Ministério Público Estadual (MPE), ministrando palestra sobre “Técnicas de Atuação do Tribunal do Júri”. O encontro integrou o I Curso de Formação para Ingresso na Carreira do MP de Goiás, que é coordenado pela Escola Superior do órgão. A palestra, que começou por volta das 8h30, só terminou ao meio-dia. Em entrevista ao DM, Cembranelli falou sobre as técnicas de atuação no Tribunal do Júri e como estas foram empregadas no caso Isabella Nardoni. Afirma que a condenação de Ana Jatobá e Alexandre não lhe surpreendeu e que nunca teve dúvidas da autoria do casal.

Ressalta que teve sua rotina alterada por causa do caso Nardoni e da fama conquistada, mas nunca se afastou do júri naqueles momentos críticos da investigação. Cembranelli diz que se pudesse voltar ao anonimato absoluto, devolveria Isabella a sua mãe, a bancária Ana Carolina Oliveira. Prefere não fazer comentários sobre o caso do goleiro Bruno. Acredita que a pena privativa de liberdade no Brasil assim como em países da Europa recupera e aguarda a apresentação de soluções por parte daqueles que criticam a medida.

DM - São precárias ainda as técnicas brasileiras para atuação no Tribunal do Júri?

Cembranelli - Não digo que são precárias, mas que falta um aparelhamento maior nos institutos de polícia científica. Equipamentos de última geração ainda são raros e quando existem são utilizados em poucos casos. Não temos utilização em massa desses equipamentos que são trazidos a um custo bastante elevado. Tento sensibilizar nossos governantes no sentido de aparelhar melhor para que a sociedade tenha instrumentos na mão de um promotor para fazer Justiça, mas ainda temos que caminhar e avançar muito.

DM -O caso Isabella Nardoni é um exemplo de que essas técnicas foram bem utilizadas?

Cembranelli - É exatamente um caso extremamente emblemático. A polícia científica de São Paulo e o Instituto Médico Legal (IML) fizeram um trabalho primoroso que permitiu dar uma ideia bastante clara e precisa aos jurados do que teria acontecido naquela trágica noite e fez com eles formassem convicção e chegassem a um veredicto compatível com o interesse social. A perícia foi importante e continua sendo no nosso dia a dia, e temos que crescer. Temos que caminhar em direção às polícias mais modernas do mundo, que utilizam há bastante tempo esses equipamentos. No Brasil, eles são considerados novidades.



DM -O que mudou após o caso Isabella Nardoni, já que o senhor estava sempre na mídia?

Cembranelli - Tive a minha rotina alterada, mas nunca me afastei do júri nem naqueles momentos críticos da investigação, nos primeiros dias, quando houve aquela louca corrida da mídia brasileira pelo ibope e eu sempre estive atuando, fazendo o que gosto, que sei fazer e contribuindo. Houve uma alteração da minha rotina por conta desse caso, da fama que foi conquistada. É um preço bastante elevado, mas se pudesse voltar ao anonimato absoluto e devolver a Isabela a sua mãe eu faria com toda tranquilidade.

DM -Em algum momento o senhor sentiu sensibilidade com o caso?

Cembranelli - Ah, sim! Porque esse caso foi sofrido para muitas pessoas próximas. Havia um acompanhamento intenso. As pessoas se emocionaram com tudo que havia acontecido. Foi um julgamento muito díficil de cinco dias e praticamente ninguém dormiu, não conseguiu se descontrair, mas isso faz parte, tentamos vencer aquela dificuldade e mostrar à população que é possível, sim, a construção de uma sociedade mais humanizada e uma Justiça mais eficiente, que é o objetivo de todos nós.

DM -O senhor duvidou da autoria do casal Nardoni em algum momento?

Cembranelli - Claro que eu acompanhei com tranquilidade o fechamento da investigação e sem que isso tivesse ocorrido não seria possível ter uma ideia precisa do que havia acontecido. Num primeiro momento havia a suspeita, que eu até torci para que não se confirmasse porque é bastante chocante a solução que foi dada, mas a verdade é que eu, com tranquilidade, formei a minha convicção após o trabalho, a finalização do procedimento investigativo e aí sim, com a convição formada, eu propus a ação penal. Ela foi recebida pelo Judicário, dei início a um processo. Eles tiveram a oportunidade de se defender exatamente como determina a Constituição. O caso foi a júri popular, um julgamento popular, democrático, livre e aberto. As partes puderam apresentar suas provas, alegações e o júri formou a sua convicção. Isso é democracia em qualquer lugar do mundo, aconteceu também neste caso

DM - Em nenhum momento houve confissão dos reús nem testemunhas oculares. Mesmo assim o casal Nardoni foi condenado. Em que momento o senhor teve a percepção e a convicção de que eles (Ana Jatobá e Alexandre) eram os autores do crime?

Cembranelli - Quando eu ofereci a denúncia a situação já era bem clara, depois a prova foi produzida em juízo e ela confirmou o trabalho investigativo. Tivemos complementações importantes que foram feitas ao longo de dois anos de processo, tudo de modo a construir um acervo probatório grande que seria oportunamente mostrado ao conselho de sentença, como de fato foi. E aí sim eles formaram um juízo de valor como eu havia formado e julgaram com tranquilidade. A decisão não me surpreendeu, era esperado, eu nunca tive dúvidas de que aconteceria exatamente como aconteceu e a sociedade saiu satisfeita com esse desfecho.

DM - O caso do golerio Bruno caminha para a conclusão do inquérito sem a prova material do crime, o corpo de Eliza Samudio. O senhor acredita na condenação mesmo assim dos envolvidos no caso?

Cembranelli - Não conheço detalhes deste caso a não ser aquilo que é divulgado pela mídia. Não tenho costume de falar de casos que estão com outros colegas, eu respeito, como também não gosto que falem de casos que estão comigo. Só o promotor natural do caso é quem tem uma visualização panorâmica de tudo, mas tenho certeza, conheci recentemente colegas em um evento em Minas Gerais, eles são extremamente competentes, vão certamente propor a ação penal da maneira como a lei autoriza e vão conseguir um triunfo da Justiça.

DM - A sociedade se comove e exige uma pena maior do que 30 anos para casos de criminosos como o casal Nardoni. O senhor acredita que a redução da pena colocará em breve os Nardoni de volta às ruas?

Cembranelli - Não acredito. Eles têm lá uma forma de cumprimento de pena, os benefícios fixados, eles vão pleitear isso, mas isso não me preocupa. A preocupação é apenas produzir melhor. Se a lei apresentar falhas, ela precisa ser corrigida, mas pelos responsáveis, e não exatamente pelos promotores.

DM -No Brasil, a pena recupera?

Cembranelli - Acredito que sim. As pessoas criticam a pena, a imposição de penas privativas de liberdade, mas em nenhum lugar do mundo, até nos países mais civilizados, se encontrou outra solução. Na Suíça existe pena de prisão, no Japão e nos Estados Unidos, e eu estou aguardando que esses que criticam a pena privativa de liberdade apresentem soluções. Nós temos claro que é preciso reservar cadeia para aqueles que cometem crimes graves, mas é a maneira como a sociedade entende cabível reagir a essas agressões.

DM -Em relação ao Tribunal do Júri, o senhor acha que os jurados devem desconsiderar a emoção na hora de decidir o seu voto?

Cembranelli - Tudo é levado em consideração. O jurado tem a livre liberdade de convencimento. Ele pode opinar da maneira como ele entende cabível. Ele traz todo um histórico de vida, que permite formar aquele juízo de valor. São os grandes defensores da manutenção do júri no Brasil e vêm demonstrando isso em casos emblemáticos.

DM -Como o senhor avalia o preparo técnico dos jurados no Brasil?

Cembranelli - É um universo muito grande. No meu tribunal temos hoje pelo menos 6 mil jurados cadastrados, são muitos. O jurado é um cidadão. Ele também lê jornal, tem sua história de vida. Ele traz isso para o julgamento e tem proferido decisões que eu considero justas.

DM - Como o senhor lida com a fama após o caso Nardoni? Isso te incomoda?

Cembranelli - Não, não me incomoda e isso também não me motiva. Eu apenas vejo isso como uma demonstração carinhosa das pessoas que conheceram meu trabalho. Continuo no júri, vou continuar porque essa é minha função e eu acredito que é assim que me considero útil para a sociedade.

http://site.dm.com.br/noticias/cidades/-queria-devolver-isabella-para-a-mae-

Um comentário:

  1. precisamos acreditar nas melhorias quanto a justiça no brasil e no mundo.. pois precisamos avançar ...

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